Atenção: A questão refere-se à crônica abaixo, publicada em 28/08/1991.Bom para o sorveteiroPor
alguma razão inconsciente, eu fugia da notícia. Mas a notícia me
perseguia. Até no avião, o único jornal abria na minha cara o drama da
baleia encalhada na praia de Saquarema. Afinal, depois de quase três
dias se debatendo na areia da praia e na tela da televisão, o filhote de
jubarte conseguiu ser devolvido ao mar. Até a União Soviética acabou,
como foi dito por locutores especializados em necrológio eufórico. Mas o
drama da baleia não acabava. Centenas de curiosos foram lá apreciar
aquela montanha de força a se esfalfar em vão na luta pela
sobrevivência. Um belo espetáculo.À noite, cessava o trabalho,
ou a diversão. Mas já ao raiar do dia, sem recursos, com simples cordas e
as próprias mãos, todos se empenhavam no lúcido objetivo comum. Comum,
vírgula. O sorveteiro vendeu centenas de picolés. Por ele a baleia
ficava encalhada por mais duas ou três semanas. Uma santa senhora teve a
feliz ideia de levar pastéis e empadinhas para vender com ágio. Um
malvado sugeriu que se desse por perdida a batalha e se começasse logo a
repartir os bifes.Em 1966, uma baleia adulta foi parar ali
mesmo e em quinze minutos estava toda retalhada. Muitos se lembravam da
alegria voraz com que foram disputadas as toneladas da vítima. Essa de
agora teve mais sorte. Foi salva graças à religião ecológica que anda na
moda e que por um momento estabeleceu uma trégua entre todos nós,
animais de sangue quente ou de sangue frio.Até que enfim chegou
uma traineira da Petrobrás. Logo uma estatal, ó céus, num momento em que
é preciso dar provas da eficácia da empresa privada. De qualquer forma,
eu já podia recolher a minha aflição. Metáfora fácil, lá se foi, espero
que salva, a baleia de Saquarema. O maior animal do mundo, assim
frágil, à mercê de curiosos. À noite, sonhei com o Brasil encalhado na
areia diabólica da inflação. A bordo, uma tripulação de camelôs
anunciava umas bugigangas. Tudo fala. Tudo é símbolo.(Otto Lara Resende, Folha de S. Paulo)Foram irrelevantes para a salvação da baleia estes dois fatores:
a) o necrológio da União Soviética e os serviços da traineira da Petrobrás.
b) o prestígio dos valores ecológicos e o empenho no lúcido objetivo comum.
c) o fato de a jubarte ser um animal de sangue frio e o prestígio dos valores ecológicos.
d) o fato de a Petrobrás ser uma empresa estatal e as iniciativas que couberam a uma traineira.
e) o aproveitamento comercial da situação e a força descomunal empregada pela jubarte.